domingo, 12 de fevereiro de 2012

E se fosse meu cliente (3)

Continuando a saga que ilustra a relação entre cliente e criador, seja qual área for. Arte gráfica, redação, audiovisual...
Um dos grandes problemas do senso-comum na crítica (olha que fui bonzinho na escolha desse termo) de um trabalho de criação é o frenético almejo em rebuscar o que deveria ser simples, direto e funcional. Por fim, o que deveria funcionar de forma clara para o consumidor, se mostra ineficiente e o dinheiro gasto foi pelo ralo.

A história da arte revela uma ligação íntima em relação à história do mundo em geral. De certa forma, as rupturas vivenciadas na sociedade, economia, filosofia e política refletiam diretamente no modo dos artistas pensarem e, consequentemente, criarem.

Voltemos ao século XVIII, ao neoclássico ou arcadismo. As características do arcadismo são justamente todo meu sentimento ao exagero que meus clientes tanto gostam. Era simples, direto e de fácil assimilação por todos. De modo como a sociedade relutava contra os exageros do Clero, os artistas se saturavam de todo o excesso do Barroco, escola artística dominante.

E se eu fosse um poeta do arcadismo no século XVIII?

"Mas só isso mesmo?"
"Não precisa mais que isso"
"Mas tá muito simples, você podia incrementar mais."
"Mas pra quem você quer que veja isso pode se tornar muito complicado pra entender."
" Coloca mais palavras, mais rimas. Versos decassílabos..."

E a poesia que era assim:

"Na idade que eu, brincando entre os pastores,
Andava pela mão e mal andava,
Uma ninfa comigo então brincava,
Da mesma idade e bela como as flores."

(Basílio da Gama)

Ficou assim:

Como na cova tenebrosa, e escura,
A quem abriu o Original pecado,
Se o próprio Deus a mão vos tinha dado;
Podeis vós cair, ó virgem pura?
Nem Deus, que o bem das almas só procura,
De todo vendo o mundo arruinado,
Permitiria a desgraça haver entrado,
Donde havia sair nossa ventura.
Nasce a rosa de espinhos coroada
Mas se é pelos espinhos assistida,
Não é pelos espinhos magoada.
Bela Rosa, ó virgem esclarecida!
Se entre a culpa se vê, fostes criada,
Pela culpa não fostes ofendida.

(Gregório de Matos)

Tudo isso poderia ser resumido a uma só frase: "Menos é mais". Menos exagero, menos palavras, menos cores, menos efeitos, menos fontes, menos rimas. Menos isso tudo só ajuda na comunicação com o consumidor. O simples não é sempre simplório e, como dizia nosso amigo Mogli: "Necessário, somente o necessário. O extraordinário é de mais."

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

E se fosse meu cliente? (2)

Diferentemente da capa de Dark Side of the Moon, pouco se sabe sobre a origem da estatueta chamada Venus de Willendorf. Estudos apontam que foi esculpida entre 22000 à 24000 anos. Foi esculpida em calcário oolítico, material inexistente na região que fora encontrada, o que aumenta ainda mais o seu fascínio.
Entretanto, de fascinante mesmo não é por quem ela foi esculpida, a quanto tempo e do que foi feita, mas o que ela significa para a história das artes plásticas. Diferentemente de esculturas gregas e romanas, as quais a fidelidade e a perfeição do corpo humanos são vistos a cada traço, cada curva e cada rosto esculpidos, a Venus de Willendorf carrega algo de especial. Um conceito.

E se fosse meu cliente o comprador?

"Nossa... ficou bem..."
Desta vez eu treinei o discurso para convencê-lo.
"Veja, eu sei que outros artistas fazem esculturas perfeitas, lindas e maravilhosas. Mas olha, você vai ser o primeiro do mundo a ter uma que tem uma visão diferente sobre o que é uma mulher. Vai enxergar além da beleza externa entre outras futilidades"
"Hum... mas esses seios horríveis..."
"São assim de propósito. Assim como a vagina, os seios são desproporcionais, referindo o conceito da fertilidade da mulher."
"Não gostei muito. Ela não tem rosto, não tem pés. Você podia fazer algo mais bonito...Olha esse modelo"

A Venus de Willendorf


O que meu cliente levou


O que difere publicidade de de brincadeira de sobrinhos é o fato da primeira ir além da beleza e pensar em conceitos. Criar não é enfeitar. Se você quer criar só pra deixar bonito, que vá ser decorador de festas.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

E se fosse meu cliente?

Por que não é fácil trabalhar com arte gráfica, ou qualquer outro tipo de criação publicitária? Criatividade em colapso, prazos sempre sufocantes, pagamento nem sempre justo... Sim, também. Mas o que a classe olha como o beuzebu com dinheiro se chama "cliente". Sabe aquela empresa de cartão de crédito sempre dizia que havia coisas que o dinheiro não comprava? Bem que poderiam ter feito uma dizendo que noção de estética ou publicidade estava incluso nessa.

E se meu cliente me pedisse pra criar a capa do seu novo álbum?

Rick Wright, tecladista do Pink Floyd, disse que a capa do novo álbum deveria ser simples e impactante. Storm Thogersom, designer de todas as melhores capas não só do Pink Floyd, mas de diversas outras no mundo todo, entendeu o recado e criou uma arte que é reconhecida até no lado mais sombrio da lua.
Agora coloco no lugar de Wright, um dono de mercado metido a designer/publicitário/marketeiro/piadista.
"Cadê o nome da banda e o nome do disco? Como que o ouvinte vai saber de quem é o disco?"
Lá se foi o grande charme das criações de Thogersom. O fazer o disco ser reconhecido sem nome algum. Se a banda é realmente boa, isso mais ajuda do que atrapalha.
"Olha, ficou bom, mas vamos melhorar. Esse preto... acho que não ficou bom, ficou muito fechado, parecendo velório. A gente podia usar uma cor mais viva pra dar mais destaque."
O conceito de "sombrio foi pro espaço. O cliente não vai nem querer saber se o nome do álbum tem "Lado Escuro"no meio. O que importa é o destaque.
"O que significa esse triângulo?"
Você explica todo o conceito. Diz que a luz polarizada denota a mente humana e o prisma é um fator que a influencia e evolui em diferentes maneiras (ou cores).
"Ah bem inteligente mas muita gente não vai entender... melhor colocar essa foto...".
Público alvo não é algo que o cliente sabe que existe. Pra ele o produto vai ser vendido tanto pra tiazinha que vende coxinha quanto o Stephen Hawking. Ele te entrega uma foto com nome de 300 caracteres. Do Orkut! Em resolução pífia. Você deve recortar e fazer milagres no Photoshop.
Com ele do lado, você refaz toda a arte de qualquer forma pra ele ir embora logo, coloca todos os efeitos, todos os destaques e a capa que era assim:



Fica assim:



Por fim, com os olhos brilhando de emoção ele leva para mostrar para a esposa, caso tenha sorte, é aprovado. (Ou, se você tiver esse poder, manda ele pastar e procurar um sobrinho pra fazer o serviço.)

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

1/02 - Dia do Publicitário

Existem vários caminhos que levam alguém a conhecer ou estudar publicidade. Seja o filho de um dono de agência que começa trabalhar no computador desde os 14 anos, seja o estudante que não escolheu o curso até a inscrição e achou o nome do curso bonito ou então que não gosta de matemática, física, química, história, geografia e biologia. E, por incrível que pareça a você, amigo não publicitário, pessoas que querem realmente aquilo e não se imaginam em outra profissão, como eu.

O que todos esses tem em comum é mudar, ao longo do tempo, todo seu conceito de propaganda. Todo seu processo, como é pensada, planejada e executada. É aí que separamos os entusiastas e os curiosos da publicidade. Uma vez a par de pouco sobre isso (o tempo pode variar de 5 minutos de aula à 4 anos de estudos) a pessoa vê se é aquilo mesmo que ela quer, ou ela se apaixona ou corre apavorado.

Àqueles que sobreviveram ao rito de passagem, que já sabiam o que queriam e, porque não, aos “sobrinhos” do mercado, um brinde ao dia 1 de fevereiro, dia do Publicitário.